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segunda-feira, 25 de julho de 2016

População recorre à água dos charcos para o consumo





Dezenas de mulheres esgueiram-se sobre o que parece ser a única fonte natural de água algures em Chihari, na localidade de Changanine, em Chibuto. Na verdade tal fonte não é mais que uma nascente incrustada num enorme charco coberto de algas, carrapichos e erva daninha.
Lixo e excrementos de animais espalham-se nas cercanias e não desanimam pessoas que, em passadas extenuantes, percorreram quilómetros e quilómetros à busca do chamado precioso líquido.
Sem meias palavras e com vasilhas de água a tiracolo, senhoras dizem-nos que para gente sofredora, tanto faz a água estar ou não com carrapichos ou com excrementos de bichos. Para elas, o “precioso” líquido está ali como pão para boca. “Estamos famintos e com sede. Depois de percorrermos tanta distância à busca de água, vamos ter medo de quê? “, perguntam-nos.
A interrogação atravessa-nos o rosto como se de chapada se tratasse. Alheias à tudo, as senhoras, descalças, e com pés enlameados, mergulham na única fonte e, recorrendo a pequenas vasilhas, retiram alguns litros de água.
Estimuladas pelo adágio popular que diz água não dá azar (amati a manyike khombo, em changana) sorvem pequenas quantidades e matam a sede ali mesmo, sem se importarem com a higiene.
“Não temos medo de nada. Bebemos assim mesmo. Estamos habituadas”, diz-nos Florinda Muthombene, ajuntando: ”Vamos fazer o quê? Não temos outro local para buscar água”.
Florinda rotulou a situação de grave, contudo admitiu que a população vive exposta ao desespero, ao risco, por não encontrar melhores alternativas.
Joana Novela, com os pés mergulhados na água que irá consumir, diz-nos, calmamente: “Fazer o quê? A água recuou, então as pessoas seguem o seu rasto, vão ao encontro, por isso mergulham no charco”.
Para as nossas entrevistadas, o exercício físico de filtração, decantação e às vezes de fervura de água é algo que só pode ser praticado por quem “não tem pressa de viver”.
Alguns dirigentes que nos acompanham nesta viagem de triste memória começam a mostrar evidentes sinais de sede e desidratação. O sol tórrido de Chibuto parece determinado a tornar a terra mais seca.
Com água mineral nos carros, hesitam em ir buscá-la. Diante de sofrimento de dezenas e dezenas de moçambicanos naquela fonte, mostram vergonha de bebericar algo potável. A solução foi mesmo compartilhar a miséria. O Chefe do posto de Changanine, Custódio Manjate, acabou consumindo a água oferecida pela Joana, esta ainda com os pés enlameados dentro do charco.
E o próprio chefe justifica a solidariedade: “Para alcançar esta água, imprópria diga-se, a população percorreu quilómetros e quilómetros”.
Com 14 333 habitantes, segundo censo local de 2016, o posto administrativo de Changanine se depara com graves problemas de falta de água, existindo apenas fontanários em Hate-Hate, Hongonhe, Khatlene, Mangoro e na já famosa nascente de Chihari.
Custódio Manjate explicou que as restantes zonas bebericam água recorrendo mesmo a lagoas e poços tradicionais, que revelam, entretanto, sinais de alguma escassez.
Referiu ainda que esta unidade administrativa identificou, mesmo com a crise, sítios para abertura de represas de água que são mais eficazes na conservação por muito tempo, tomando como prioridade zonas baixas que possuem condições favoráveis para o efeito, designadamente Chikundzo (Chitsuluine), Tinwarini, Guidione (Changanine) e Chiwombe (Mangoro).
O sofrimento que se vive devido a estiagem é de encher o olho de lágrimas. A nossa Reportagem viu longas filas de pessoas percorrendo grandes distâncias a pé entre Alto Changane e Chitsuluine.
Outras recorriam a burros ou mesmo ao gado bovino para transportar água. Burros carregam no dorso dois ou mais recipientes de água quando não movimentam carrinhas sem motor cheias de dezenas de vasilhas. O animal alcançou naquelas regiões, estatuto nobre. Quem não tem burro é pobre, dizem-nos.
Sulcos em terreno acidentado transformam-se, amiúde, em pequenos reservatórios de água proveniente da pouca chuva que cai. Humanos e animais dividem o pouco líquido que a natureza oferece.
A administradora do distrito de Chibuto já nos tinha avisado em tom triste: “até água dos charcos é disputada no Norte do distrito, sobretudo em Changanine, onde a situação é mesmo grave”.
A proximidade geográfica com Chigubo que, à semelhança de outros distritos do norte de Gaza vive, cronicamente, episódios de seca severa, parece justificar a contaminação.
Changanine é um posto administrativo localizado a cerca de 120 quilómetros da sede do distrito de Chibuto na província de Gaza. Está dividido em duas localidades, nomeadamente Hate-Hate e Changanine.
É limitado a norte precisamente pela localidade de Cubo, distrito de Chigubo, a sul e oeste com as localidades de Alto Changane e Maqueze , igualmente afectados pela longa estiagem.
O rio Changane, principal referência nestas regiões em termos de curso de água, não dispõe de uma única gota. Minguou no verdadeiro sentido da palavra. Ao longo do seu “leito” vimos crianças e jovens a jogarem futebol.
Dos resquícios de um rio pujante, vibrante noutros tempos, emergem tons esbranquiçados de filamento de sal, responsável pelo facto de a água se revelar salobra nas várias tentativas de abertura de furos nas redondezas.
Fome causa desistência escolar
Durante o primeiro semestre, 27 alunos desistiram da escola em Changanine (10 de sexo masculino e restantes de sexo feminino) devido à seca prolongada naquele posto administrativo,
Autoridades locais registaram, por outro lado, 337 casos de diarreias no primeiro semestre do ano em curso devido consumo de água imprópria.
A seca afecta dois mil setenta e uma famílias afectadas no posto administrativo de Changanine, o correspondente a 14 mil cento e trinta e cinco pessoas.
O governo central, através do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) já alocou aqui cerca de 132 toneladas de milho e 15 toneladas de feijão para distribuição as populações, abrangendo 2 645 famílias afectadas.
Custódio Manjate, chefe do posto administrativo, disse ao domingoque durante a campanha presente, foi planificada uma área de 6 670 hectares e lavrados 6 512,5 hectares para uma produção esperada de 28 166,1 toneladas de produtos diversos com destaque para milho e feijões.
Trata-se, segundo o nosso entrevistado, de estimativas aquém da expectativa segundo quadros hidrológicos da precipitação da primeira fase, o que demonstra claramente a falta de chuva, facto que comprometeu a produção agrícola.
Para a segunda época da campanha agrícola 2015/25016, o posto prevê produzir em 4,354,6 hectares cerca de 11 669,3 toneladas de culturas diversas com maior destaque para milho, feijão, e hortícolas.
População recorre
a água dos charcos
- Brígida Matavele, administradora de Chibuto
“Quando há pequenas precipitações, a população por vezes disputa água nos charcos devido à seca”, diz-nos visivelmente preocupada, a administradora do distrito de Chibuto.
Brígida Matavele apontou o Norte do seu distrito como o que reporta situações mais críticas de falta de água e destacou os postos de Changanine e Alto Changane.
Segundo a nossa entrevistada, o Banco Islâmico de Desenvolvimento (BID) ensaiou dez furos de água naquelas regiões, dos quais seis saíram negativos devido a infiltração salina. Só têm quatro furos apresentaram água doce. Outros tinham água salobra, referiu.
Maqueze , uma localidade de posto administrativo de Alto Changane é outra região crítica mencionada pela administradora de Chibuto que reiterou : a zona norte toda apresenta cenário preocupante, a partir de Chaimite.
Brígida Matavele explicou ao domingo que o distrito que dirige é vulnerável à calamidades, nomeadamente secas, cheias e ciclones. Neste momento estamos sob estiagem. Já desde 2014 havia sinais de seca, disse, acrescentando devido a falta de chuva não houve produção na presente época chuvosa.
Para mitigação do efeito da seca, o governo distrital está a sensibilizar a população para produzir nas zonas baixas, focando sua atenção às culturas tolerantes à seca, designadamente a batata-doce e mandioca.
A administradora de Chibuto referiu ainda que a estiagem afectou inicialmente um total de 30 236 pessoas, número que evoluiu 90 835 afectados. “Felizmente ainda não registamos óbitos. Contudo, perdemos 650 cabeças de gado”, ressalvou.


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